Davi Fernandes, Carlos Henrique Pio e Marcos Paixão são os responsáveis por supervisionar os trens e outros veículos ferroviários que circulam pela Ferrovia Norte-Sul entre Porto Nacional (TO) e Anápolis (GO). Eles trabalham no CCO (Centro de Controle Operacional) na sede da VALEC, em Brasília, como controladores de tráfego ferroviário. De olhos atentos aos trens e trilhos há muito tempo, eles tiram da ferrovia, além do sustento, a emoção de contar suas histórias e suas impressões da profissão.
Carlos Henrique.
Começou a trabalhar em 1974 numa fábrica de vagões. Dois anos depois, passou no concurso para auxiliar de maquinista, e, em seguida, maquinista da Rede Ferroviária Federal (RFFSA) em Conselheiro Lafaiete (MG). Além de outras funções, em 1986, passou a trabalhar como controlador na RRFSA, em seguida, na MRS, onde foi supervisor de movimentação de trens em Juiz de Fora (MG). Está na VALEC desde 2015. São 45 anos de ferrovia.
Davi Fernandes.
Aprovado no último concurso da Rede Ferroviária, começou em Brasília, em 1989. Atuou como manobrador até a privatização quando virou agente de estação. Foi maquinista por 6 anos no estado de Goiás. Trabalhou também como inspetor de carga e tração durante sete anos. Ao todo, são 29 anos de ferrovia. Trabalha na VALEC desde setembro de 2018.
Marcos Paixão.
Entrou como concursado em 1986 na Rede Ferroviária. Trabalhou como agente de estação por 10 anos, até atuar como controlador de CCO, função que exerceu mesmo após a privatização, na VLI, até 2013. São 33 anos de ferrovia. Está na VALEC desde 2014.
Quais mudanças vocês testemunharam desde que começaram?
Carlos– Na época em que eu entrei havia o licenciamento de bastão, em vez de ser por rádio como é hoje. A mudança foi radical. Hoje, com o rádio já facilitou, você não tem quase que descer da máquina. Além disso, deram mais prioridade à carga do que ao passageiro, deixou de ter o trem com função social. A Rede tinha essa função social até pelo alto número de empregados.
Davi– Outra mudança é a monocondução, pois antes eram pelo menos dois na locomotiva, você tinha parceiro pra tudo, hoje, na maioria do trecho, é um só. O lado negativo é que com a informatização reduziu muito o número de funcionários. Mudou muito também a configuração dos trens, eram trens de 40 vagões, hoje não, a ferrovia roda com 100, 120 vagões.
Marcos– O bastão era um pedaço de ferro que você enrolava a licença, com a mesma mão você entregava um e pegava o outro. Se batia no dedo quebrava. As máquinas antigamente não tinham geladeira, fogareiro elétrico, banheiro. Antes, a gente esquentava marmita com álcool numa lata de sardinha e quatro pregos grandes.
A condição de trabalho melhorou?
Marcos– O licenciamento por bastão utilizado à época precisava de muitos funcionários e com a mudança para o sistema via satélite e rádio a demanda por funcionários caiu em 80%. Por outro lado, hoje o maquinista, com raras exceções, não faz mais de 10 horas, antigamente fazia 12 até 18 horas. Hoje, também têm benefícios que antes não havia. Fora a melhoria da segurança e da condição de trabalho.
Carlos– Tinha gente no alto do barranco que jogava pedra na locomotiva para quebrar os vidros, ou amarrava pedra na ponte e deixava na reta da máquina. A gente substituía os vidros quebrados por lata. Hoje diminuiu muito.
Davi– O lado negativo é trabalhar 24 horas, fim de semana, longe da família, mas é viciante, a pessoa gosta. Mas túnel é uma dificuldade imensa. Chegando em Araguari, por exemplo, tem um túnel com mais de 3 quilômetros na subida em que o maquinista perde o sinal com o locotrol. E quando a locomotiva dá problema lá dentro e a fumaça vai fechando tudo? É difícil.
Os ferroviários têm orgulho de seu trabalho?
Carlos– É um serviço que eu gosto de fazer. No início era muito mais penoso do que hoje, mas eu retornei depois de aposentar, mais pela questão de gosto. Você nunca deixa de ser ferroviário. Mesmo depois de aposentado, você vai na estação para ver um trem chegar, é uma cachaça que você não se livra dela. Você vê alguma coisa irregular na ferrovia, você liga e se preocupa.
Marcos– A ferrovia nos entrega além do sustento, o lado prazeroso de trabalhar nela. Apesar do trabalho ser restrito, com funções muito especificas que pouca gente conhece, ser ferroviário te leva a outros lugares e te dá a oportunidade de conhecer outras regiões e particularidades do nosso país.
Davi– Os ferroviários gostam muito do que fazem, fica sendo uma família, não é só um colega de trabalho. A gente fala que o ferroviário não tem sangue na veia, tem pó de ferro!
Texto: Flavio Correa/ASCOM
Fotos: Samira Rodrigues/ASCOM